sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

INTRODUÇÃO DO LIVRO O POVO FEZ SUA SANTA – DELLANO RIOS.

FOTO: DELLANO RIOS. AUTOR DO LIVRO O POVO FEZ SUA SANTA.
INTRODUÇÃO DO LIVRO  O POVO FEZ SUA SANTA - DELLANO RIOS.



Ler nas entrelinhas e escutar o silêncio: duas construções verbais cujas ações que descrevem parecem não existir senão como figuras de linguagem. Elas ilustram com precisão o desafio que encontrei diante do fenômeno ao qual dedico as reflexões que se seguem. O Propósito é claro: compreender os movimentos de um processo de


santificação, a partir do estudo de narrativas daqueles que a sustentam. 


É preciso estar atento não  apenas ao que é enunciado, mas, também, às lacunas nos discursos. O Silêncio indica tensões existentes, quando estas se encontram em estado latente. 


Para seguir adiante, foi preciso ter em mente tais lacunas, mapear o terreno e apontar, aqui e ali, onde falta terra  sob os pés. 


Para ter certeza de onde parto, para que seja de terra firme, apropriada para tomar impulso que permite ir além,  começo o percurso fixando um marco, um ponto de referência que não sairá de meu campo  de visão. 


O Ponto de referência é uma história. 


A história de Mártir Francisca e de seu culto. O lócus e a cidade cearense de Aurora, localizada na microrregião do Cariri, 485 quilômetros ao sul de Fortaleza, capital do Estado. 


Ela começa em 9 de fevereiro de 1958, para daí retroceder e avançar no tempo conforme a competência e o interesse do narrador. 


Neste dia, a adolescente Francisca Augusto da Silva, 16 anos, foi morta pelo ex-noivo, Francisco Ferreira Barnabé (conhecido como Chico Belo). O rompimento acontecera há pouco mais de um ano. Francisca não voltou atrás, apesar da insistência de Chico Belo. 


Ciumento, ele temia vê-la casada com outro  homem. Decidiu que a mataria, para não correr esse risco. Montou tocaia na saída da missa e a surpreendeu, quando ela voltava da cidade para a sua casa, em um sítio afastado. 


Montava um cavalo branco e trazia uma longa faca peixeira nas mãos e atacou Francisca. Acertou-a uma dúzia de vezes e deixou  o corpo morto caído à sombra de uma árvore. 


O Assassino fugiu, para acabar preso duas horas depois. Julgado, foi condenado e enviado ao presídio  da capital. Nele, passou os próximos 19 anos. De volta a Aurora, anos depois foi morto numa briga, sem que se lembre pelas mãos de quem. 

Da tragédia que se abateu sobre a jovem, uma filha de agricultores não muito diferente de tantas outras da região, 


nasceu um culto. 


A cruz que marcava o lugar de sua morte na estrada deserta logo se converteu num centro de Adoração. Católicos iam até ali para seu encontro com a moça, já rebatizada


Mártir  Francisca. 


No começo dos anos 1960, uma pequena capela foi erigida em seu lugar. Ela passou a acolher os fiéis que faziam promessas e obtinham graças a partir da intervenção 


da mártir. 


Hoje, o culto conta com uma capela anexa (de Nossa Senhora dos Milagres), procissões mensais, imagens da santa em madeira e duas festas anuais.


O presente estudo procura compreender o processo de transformação pelo qual Francisca passou até se tornar a mártir cultuada por um número crescente de devotos. Além do interesse pelas particularidades do caso, chamo a atenção para a possibilidade de tomá-lo como exemplar de um fenômeno religioso, ligado às expressões do catolicismo tal qual ele é praticado pelas camadas subalternas no Brasil. 


O Fenômeno foi nomeado de diversa maneiras, na tentativa  de defini-lo. Recorro a Zumthor para nomeá-lo  Canonizações espontâneas ( 1193: 30). 


O resultado dos processos dessa Natureza é a construção e o estabelecimento de santos populares, que se localizam à margem do Cânone da igreja Católica Apostólica Romana. 


Em tais casos, pessoas vivas, mortas ou imaginárias, são tomadas por santas e, como tais, se tornam objetos de culto, são descritas por seus devotos como donos de  conduta exemplares e são por eles procurados como canais de comunicação com Deus. 

O Culto  de Mártir Francisca de Aurora foi escolhido dentre muitas outras conhecidas. Há registros de canonizações espontâneas em diversas cidades brasileiras e mesmo em países como França, México, Argentina e Bolívia. No  Ceará, são conhecidos casos  em Barroquinha, Bela Cruz, Guaraciaba do Norte, Meruoca, Tianguá, Varzea Alegre e Juazeiro do Norte( não é de outra ordem o fenômeno do Padre Cícero Romão Batista).


A Opção pela santa de Aurora tem, 


por razões iniciais, as afinidades que tenho com alguns de seus elementos. 


Como jornalista, interessei-me pelo trabalho de reportagem de uma colega de profissão, Rozanne Quezado, publicado no formato de livro sob o título Paixão e Sangue de Mártir Francisca. 


Somou-se a esse interesse, uma relação (acadêmica) anterior com temas ligados à religião; e a curiosidade pela narrativa. Também me seduziu a dificuldade da empreitada. Antes da pesquisa, meu conhecimento sobre Aurora era mínimo. Não conhecia sequer a região do cariri. Do fenômeno, sabia muito  pouco, vendo-me obrigado a investigá-lo para descobrir mesmo alguns dados elementares. 

Foi a experiência de campo, em todo caso, que acabou por determinar minha escolha. Aurora é uma das cidades que compõem o Cariri cearense e, portanto, fazem parte de uma malha de devoção muito específíca. Para a economia do Estado do Ceará, ela e menos expressiva que outros municípios, caso de Juazeiro  do Norte, Crato e Barbalha, que expandem sua fama graças às muitas manifestações das culturas tradicionais que abrigam. Por todo o Cariri, é bem conhecida a recorrência  de práticas devocionais católicas que fogem às normas estabelecidas  pela igreja, sem, necessariamente, confrontá-las. Ao invés do conflito aberto, há um movimento de apropriação de signos, de discursos e de ritos da igreja,  por parte dos praticantes dessa devoção católica peculiar. Os elementos tomados de empréstimo são reformulados e ressemantizados;não poucas vezes, assiste-se à sobrevivência de práticas e crenças que outrora pertenceram ao repertório da instituição católica e que hoje são por ela ignorados ou rejeitados. Para ilustrar a afirmação acima, cito o caso das ordens penitentes 

que se multiplicaram por todo o Nordeste no século XIX, muitas delas fundadas pelas missões

 

do Padre Ibiapina, 


entre 1860 a 1883. As ordens eram agrupamentos, em geral, formados exclusivamente por  homens, católicos das camadas subalternas da população sertaneja que entoavam benditos e se autofagelevam pela remissão dos pecados ( Rios, 2004:84). 

Consta em seguida uma citação de (Ribeiro, 2006: 70 -71) que se encontra em Recuo,  como também as notas em Rodapé não serão postadas visto o digitador não ter  o projeto de diagramação específica para tal fim.


O Fenômeno de que me ocupo se avizinha daquele que compreende as práticas de penitência no Nordeste. 

Fazer referência a tal prática contribui para que se estabeleçam condições apropriadas a uma melhor apreciação do leitor. 


O Tema em discussão precisa ser contextualizado, pois se trata da construção de uma santidade específica, que se localiza no terreno deste sagrado insubmisso, fenômeno marcado por  tensões. A Sociologia, assim como a filosofia e a psicologia, já descreveu a realidade como uma construção, em oposição à compreensão segundo a qual ela seria uma dimensão unívoca.

Em sequencia o Escritor  fala sobre a fundamentação teórica da escolha, dos registros, metodologias, divisão a letra e voz, oralidade, investigação...De forma que este trabalho não passaria sem as contribuições de teorias vindas de áreas vizinhas, como a antropologia a história e a semiologia.

Referência Bibliográfica

Rios, Dellano – O Povo Fez sua Santa./ Dellano Rios- Fortaleza: Secult, 2011. ( Prêmio Guilherme Studart) l. Literatura brasileira – ensaio I. Titulo

Transcrição autorizada pelo autor Dellano Rios ao Professor Luiz Domingos de Luna, que a todos, o direito de repostagem em blogs, sites e outros veículos de comunicação para o Engrandecimento da Epistemologia Genética da Humanidade para o bem.