 |
FOTO: DELLANO RIOS. AUTOR DO LIVRO O POVO FEZ SUA SANTA. |
INTRODUÇÃO DO LIVRO O POVO FEZ SUA SANTA - DELLANO RIOS.
Ler
nas entrelinhas e escutar o silêncio: duas construções verbais cujas ações que
descrevem parecem não existir senão como figuras de linguagem. Elas ilustram
com precisão o desafio que encontrei diante do fenômeno ao qual dedico as
reflexões que se seguem. O Propósito é claro: compreender os movimentos de um
processo de
santificação, a partir do estudo de narrativas daqueles que a
sustentam.
É preciso estar atento não apenas ao que é enunciado, mas, também,
às lacunas nos discursos. O Silêncio indica tensões existentes, quando estas se
encontram em estado latente.
Para seguir adiante, foi preciso ter em mente tais
lacunas, mapear o terreno e apontar, aqui e ali, onde falta terra sob os pés.
Para ter certeza de onde parto,
para que seja de terra firme, apropriada para tomar impulso que permite ir
além, começo o percurso fixando um
marco, um ponto de referência que não sairá de meu campo de visão.
O
Ponto de referência é uma história.
A história de Mártir Francisca e de seu
culto. O lócus e a cidade cearense de Aurora, localizada na microrregião do
Cariri, 485 quilômetros ao sul de Fortaleza, capital do Estado.
Ela começa em 9
de fevereiro de 1958, para daí retroceder e avançar no tempo conforme a
competência e o interesse do narrador.
Neste dia, a adolescente Francisca
Augusto da Silva, 16 anos, foi morta pelo ex-noivo, Francisco Ferreira Barnabé (conhecido
como Chico Belo). O rompimento acontecera há pouco mais de um ano. Francisca não
voltou atrás, apesar da insistência de Chico Belo.
Ciumento, ele temia vê-la
casada com outro homem. Decidiu que a
mataria, para não correr esse risco. Montou tocaia na saída da missa e a
surpreendeu, quando ela voltava da cidade para a sua casa, em um sítio
afastado.
Montava um cavalo branco e trazia uma longa faca peixeira nas mãos e
atacou Francisca. Acertou-a uma dúzia de vezes e deixou o corpo morto caído à sombra de uma árvore.
O
Assassino fugiu, para acabar preso duas horas depois. Julgado, foi condenado e
enviado ao presídio da capital. Nele,
passou os próximos 19 anos. De volta a Aurora, anos depois foi morto numa
briga, sem que se lembre pelas mãos de quem.
Da
tragédia que se abateu sobre a jovem, uma filha de agricultores não muito
diferente de tantas outras da região,
nasceu um culto.
A cruz que marcava o
lugar de sua morte na estrada deserta logo se converteu num centro de Adoração.
Católicos iam até ali para seu encontro com a moça, já rebatizada
Mártir Francisca.
No começo dos anos 1960, uma
pequena capela foi erigida em seu lugar. Ela passou a acolher os fiéis que
faziam promessas e obtinham graças a partir da intervenção
da mártir.
Hoje, o
culto conta com uma capela anexa (de Nossa Senhora dos Milagres), procissões
mensais, imagens da santa em madeira e duas festas anuais.
O
presente estudo procura compreender o processo de transformação pelo qual
Francisca passou até se tornar a mártir cultuada por um número crescente de
devotos. Além do interesse pelas particularidades do caso, chamo a atenção para
a possibilidade de tomá-lo como exemplar de um fenômeno religioso, ligado às
expressões do catolicismo tal qual ele é praticado pelas camadas subalternas no
Brasil.
O Fenômeno foi nomeado de diversa maneiras, na tentativa de defini-lo. Recorro a Zumthor para
nomeá-lo Canonizações espontâneas (
1193: 30).
O resultado dos processos dessa Natureza é a construção e o
estabelecimento de santos populares, que se localizam à margem do Cânone da
igreja Católica Apostólica Romana.
Em tais casos, pessoas vivas, mortas ou imaginárias,
são tomadas por santas e, como tais, se tornam objetos de culto, são descritas
por seus devotos como donos de conduta
exemplares e são por eles procurados como canais de comunicação com Deus.
O
Culto de Mártir Francisca de Aurora foi
escolhido dentre muitas outras conhecidas. Há registros de canonizações
espontâneas em diversas cidades brasileiras e mesmo em países como França, México,
Argentina e Bolívia. No Ceará, são
conhecidos casos em Barroquinha, Bela
Cruz, Guaraciaba do Norte, Meruoca, Tianguá, Varzea Alegre e Juazeiro do Norte(
não é de outra ordem o fenômeno do Padre Cícero Romão Batista).
A Opção pela
santa de Aurora tem,
por razões iniciais, as afinidades que tenho com alguns de
seus elementos.
Como jornalista, interessei-me pelo trabalho de reportagem de
uma colega de profissão, Rozanne Quezado, publicado no formato de livro sob o
título Paixão e Sangue de Mártir Francisca.
Somou-se a esse interesse, uma relação
(acadêmica) anterior com temas ligados à religião; e a curiosidade pela
narrativa. Também me seduziu a dificuldade da empreitada. Antes da pesquisa,
meu conhecimento sobre Aurora era mínimo. Não conhecia sequer a região do
cariri. Do fenômeno, sabia muito pouco,
vendo-me obrigado a investigá-lo para descobrir mesmo alguns dados elementares.
Foi
a experiência de campo, em todo caso, que acabou por determinar minha escolha.
Aurora é uma das cidades que compõem o Cariri cearense e, portanto, fazem parte
de uma malha de devoção muito específíca. Para a economia do Estado do Ceará,
ela e menos expressiva que outros municípios, caso de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha, que expandem sua
fama graças às muitas manifestações das culturas tradicionais que abrigam. Por
todo o Cariri, é bem conhecida a recorrência de práticas devocionais católicas que fogem às
normas estabelecidas pela igreja, sem,
necessariamente, confrontá-las. Ao invés do conflito aberto, há um movimento de
apropriação de signos, de discursos e de ritos da igreja, por parte dos praticantes dessa devoção
católica peculiar. Os elementos tomados de empréstimo são reformulados e ressemantizados;não
poucas vezes, assiste-se à sobrevivência de práticas e crenças que outrora
pertenceram ao repertório da instituição católica e que hoje são por ela
ignorados ou rejeitados. Para
ilustrar a afirmação acima, cito o caso das ordens penitentes
que se
multiplicaram por todo o Nordeste no século XIX, muitas delas fundadas pelas
missões
do Padre Ibiapina,
entre 1860 a 1883. As ordens eram agrupamentos, em
geral, formados exclusivamente por homens,
católicos das camadas subalternas da população sertaneja que entoavam benditos
e se autofagelevam pela remissão dos pecados ( Rios, 2004:84).
Consta
em seguida uma citação de (Ribeiro, 2006: 70 -71) que se encontra em Recuo, como também as notas em Rodapé não serão
postadas visto o digitador não ter o
projeto de diagramação específica para tal fim.
O
Fenômeno de que me ocupo se avizinha daquele que compreende as práticas de
penitência no Nordeste.
Fazer referência a tal prática contribui para que se
estabeleçam condições apropriadas a uma melhor apreciação do leitor.
O Tema em
discussão precisa ser contextualizado, pois se trata da construção de uma
santidade específica, que se localiza no terreno deste sagrado insubmisso,
fenômeno marcado por tensões. A
Sociologia, assim como a filosofia e a psicologia, já descreveu a realidade
como uma construção, em oposição à compreensão segundo a qual ela seria uma
dimensão unívoca.
Em
sequencia o Escritor fala sobre a
fundamentação teórica da escolha, dos registros, metodologias, divisão a letra
e voz, oralidade, investigação...De forma que este trabalho não passaria sem as
contribuições de teorias vindas de áreas vizinhas, como a antropologia a
história e a semiologia.
Referência
Bibliográfica
Rios, Dellano – O Povo Fez sua Santa./ Dellano
Rios- Fortaleza: Secult, 2011. ( Prêmio Guilherme Studart) l. Literatura
brasileira – ensaio I. Titulo
Transcrição
autorizada pelo autor Dellano Rios ao Professor Luiz Domingos de Luna, que a
todos, o direito de repostagem em blogs, sites e outros veículos de comunicação
para o Engrandecimento da Epistemologia Genética da Humanidade para o bem.