terça-feira, 21 de janeiro de 2014

PALESTRA DE PADRE LUNA SOBRE O TIO MONGE - DOM JOAQUIM GRANGEIRO DE LUNA.

FOTO: DOM JOAQUIM GRANGEIRO DE LUNA E FAMILIARES EM AURORA(CE)-1948


Palestra proferida Na Rädio Salamanca de Barbalha aos 28 de Agosto 1979.

CIDADE: BARBALHA- CEARÁ

DATA: 28 /08 / 1979

PALESTRANTE: PE FRANCISCO LUNA TAVARES



De início, quero agradecer a direção da Rádio Salamanca de Barbalbha, por esta oportunidade que está me proporcionando, de me comunicar com o meu povo de Barbalha, Missão Velha e de todo o Cariri; levando a todos uma mensagem de muito amor, nas palavras que tenho a dizer sobre o monge beneditino D. Joaquim Grangeiro de Luna, meu saudoso tio materno cujo 10º aniversário de morte vai ocorrer no próximo mês de novembro,(  dia 22 ), ano,  1979..



Quero também saudar a esta boa cidade de Barbalha, pelo seu dinamismo e sobretudo pela arraigada tradição de vida cristã. Aqui se pode dizer que germinou e alimentou-se dessa seiva maravilhosa de piedade que fecundava a vida cristã de nossas famílias, único ambiente onde pode sobreviver uma vocação monástica como a de Salustiano Grangeiro de Luna no alvorecer deste século XX.



Aos 22 de novembro de 1969, no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, onde passara 67 anos de sua longa vida, faleceu placidamente no Senhor o monge Beneditino Cearense D. Joaquim Grangeiro de Luna.


Repousam seus restos mortais no claustro do mosteiro, ao lado da igreja oficial, em túmulo construido em pedra há mais de 200 anos por monges portugueses, ao lado de centenas de outros que ali viveram, cujos nomes estão gravados naquelas lages sagradas por sobre as quais pisam diariamnte os seus irmãos de hábito.Aquele homem consagrado a Deus alimentou desde a infância um desejo alto e firme: servir a Deus como bom cristão e ser útil também aos seus irmãos em Cristo.



Nascido no Sítio Logradouro de Missão Velha aos 8 de Junho de 1881, filho de Manoel Felipe de Luna Alencar e Raimunda Clara do Amor Divino Grangeiro, o menino recebeu no batismo o nome de Salustiano. Órfão de mãe aos 10 anos e de pai aos 15 quase não teve direito a uma infância despreocupada e feliz. O coevos afimavam que desde bem pequeno aquele jovem se revelou responsável, sério e trabalhador.



Aos 16 anos entendeu de partir para Manaus onde morava um tio materno que lha daria a mão, mas uma outra tia materna que morava em Barbalha, o desaconselhou, conseguindo para ele um emprego de Caixeiro na Casa Sampaio, que àquele tempo era o maior empório comercial do Cariri. Com aquele senso de responsabilidade e de amor ao trabalho, em breve, aquele jovem conquistou a confiança dos patrões e galgou um lugar de destaque entre os outros empregados até mais antigos no serviço. Era admirável a sua prontidão em atender a todo tipo de trabalho nessa casa. Aproveitou ainda aquele tempo para estudar em escola Noturna Mantida pelo Gabinete de Leitura já então existente, em aulas ministradas pelo professor Marrocos; associou-se na Conferência Vicentina; fez parte ativa de todos os movimentos culturais dessa terra, como jovem inteligente e promissor.



Quando se pensava num futuro casamento, brilhante para ele, o jovem, após longa reflexão e profunda oração, recusou as propostas que lhe eram apresentadas, renunciou ao emprego e a todas as demais vantagens, pedindo admissão na multissecular Ordem Beneditina que nem sequer era conhecida nesta bandas do Ceará.



Essa decisão de Salustiano causou espanto em todo Cariri. Na verdade foi o primeiro jovem de toda esta região a sentir no seu coração o chamda do mestre “se queres ser perfeito, vende tudo quanto possues dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro dos céus. Depois, vem e suegue-me “ 


Recebido na comunidade do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro com o novo nome de D. Joaquim de Luna, vai conviver com os padres alemães recém chegados ao Brasil, em noviciado, estudo e provação de excessiva dureza, como é fácil de imaginar. Porém como já era de idade mais madura e tinha aqula prática de comércio e relações humanas adquirida em Barbalha, tudo isto contribuiu para se impor logo de início, valendo muito aos próprios alemães em suas comunicações com o povo do Rio de Janeiro, ainda eivado de preconceitos contra os frades estrangeiros.



Ordenado sacerdote no dia 04 de janeiro de 1910, ferido de guerra no fim desse mesmo ano (10 de dezembro, 1910) na chamada Revolta da Chibata, quando tentava defender o patrimônio de seu querido mosteiro, logo mais é feito prior da comunidade, cargo que desempenhou por largos anos com a maior exatidão e firmeza, tornando-se o Dom Prior LUNA o verdadeiro traço de união entre os monges estrangeiros que eram a maioria, e os poucos brasileiros que iam aparecendo naquele venerando claustro. Foi ele por muitos anos e em periodos bastante críticos para aquela comunidade, o homem chave Na solução de todos os problemas internos da casa. Nada se fazia ali sem a sua aprovação sábia e prudente.



Homem de Deus, bondade em pessoa, cearense que não desconhecia a sua origem humilde, fiel aos mínimos detalhes da Regra Beneditina tão austera, tendo aprendido desde criança o valor da oração e do trabalho, consagrou toda a sua vida a essa prática numa ordem que tem por lema: “ora et labora “ oração e trabalho. Em tudo D. Joaquim dava o exemplo antes de exigir dos seus irmãos de religião. Sugeriram até que lhe dessem por epitáfio esta sentença: “ só exigia dos outers aquilo que ele mesmo praticava” E como era intransigente aquele padre magrinho e feio, sempre sorridente, com a mão direita mutilada, quando estava em jogo a glória de Deus e o bom nome do seu mosteiro e dos seus irmãos.



Tudo isto lhe valeu a doce alegria de ver em sua velhice o mosteiro povoado de monges brasileiros jovens, piedosos e cultos, desenvolvendo uma atuação nunca antes imaginada nos diversos setores de liturgia e canto sacro, da ascética, da educação e tudo mais. Poucas comunidades religiosa no Brasil têm desenvolvido uma atuação pastoral tão intensa quanto o mosteiro de São Bento na cidade do Rio de Janeiro e em todo o Brasil, especialmente da década de 1940 para cá. E O bom velhinho um dos reformadores do Mosteiro, sentia-se perfeitamente realizado e muito feliz com a benéfica influêcia de muitos daqueles sacerdotes que haviam passado pelas suas mãos e recebido o influxo positivo do seu grande testemunho sacerdotal.



Apesar de suas constantes ocupações no Mosteiro, ainda dispunha de tempo para se corresponder por cartas com os seus parentes e amigos do Ceará e com quantas pessoas o procurassem pedindo-lhe ajuda ou orientação. Inúmeros jovens daquele tempo encontraram em D. Joaquim a mão amiga que os salvou no torvelhinho do antigo Rio de janeiro e quantos cearenses, chegando a metrópole, se dirigissem a ele, dodos receberam um gesto caridoso de ajuda, nas limitações de um monge enclausurado e pobre, mas cuja caridade não media esforços,

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Em sua Família do Ceará também influia a sua palavra amiga e sua extrema bondade de coração. Mais de uma moça da família Grangeiro responderam também ao convite do mestre e se consagraram a Deus na vida religiosa dentre as quais Bandú, sua prima de Barbalha que lhe seguiu as pegadas e viveu quase 60 anos, até à morte, na congregação das Missionárias Beneditinas em Olinda com o nome de Madre Benta.



Encaminhou pessoalmente diversos jovens cearenses, sobretudo da paróquia de Aurora, para a escola Claustral, dos quais três ou quatro perseveraram em sua vocação. Mas nos últimos anos de seu priorado, temendo a falta de perseverança de alguns ou por outro motivo justo, deixou de atender a alguns pedidos que daqui partiram. Eu mesmo por esta razão não me fiz também Monge Beneditino.


Entretaanto me deu todo o apoio em meus estudos no seminário. Estimulando-me com cartas tão Sábias e suas orações de meus velhos pais. Afinal, quando D. Joaquim comemorava os 40 anos de sacerdáocio, Eu estava também incluido entre os ministros do altar. E Quando aquele monge velhinho morreu, ainda deixou nada menos de quatro sacerdotes na Familia Luna e Grangeiro, além de várias irmãs em diversas congregações religiosas.



Em geral nós nos impressionamos demais com a facilidade de se propagar   a maldade entre os homens com os seus escândalos e passamos meios despercebidos com a difusão  do bem e da verdade por aqueles que vivem plenamente em Deus. D. Joaquim de Luna foi um desses homens carismáticos que mesmo a distância, lá da clausura do Mosteiro do Rio de Janeiro, sabia irradiar bondade e santidade até as pessoas que não o conheciam de perto. É que se exalava de sua pessoa, de sua conduta, aquele bom odor de Cristo de que nos fala o apóstolo Paulo.



Suas cartas à família, jóia de literatura, numa letra também cuidada e feita à mão, em que lhe faltavam dois dedos, suas cartas eram um pregação continuada de doutrina, de principios morais e do amor de DEUS. É bem certo que a boca fala daquilo de que está cheio o coração.

E não contente com o apostolado epistolar, tão rico e variado remetia para os sobrinhos e pessoas de sua amizade livros instrutivos e outras publcações, estimulando-nos à prática da leitura para o nosso enrequecimento cultural. Enão só isto. Em meio aos seus intensos trabalhos de cada dia como prior do mosteiro, como capelão do colégio das marcelinas no Rio de Janeiro, como confessor ordinário e extraordinário de várias comunidades religosas que lhe tomavam um tempo e um zelo considerável, ainda gastava horas e horas em pesquisas históricas, prestando assim valioso serviço à história de sua Ordem Beneditina no Brasil. Estudiso do vernáculo não por diletantismo, mas por ser poderoso meio de comunicação, escreveu páginas de rara beleza nos seus diversos livros publicados ou inéditos.



Infelizmente muitos escritos dele que poderiam contar preciosas informações sobre a vida monástica de seu tempo, ele mesmo os rasgou nos últimos anos quando um processo de arteriesclerose lhe foi aos poucos eliminando as faculdades mentais. Mesmo esquecido, Como ma criança, nunca se acamou e obedecia por hábito ao regulamento do Mosteiro. Ao toque da sineta, era sempre o primeiro a chegar aos atos da comunidade.



Morreu como viveu. Talvez ao toque da sineta para o ofício das matinas, às 4 horas da amnhã, levantou-se como de costume e foi encontrado morto à soleira de sua cela de monge, no velho e querido Mosteiro do Rio de Janeiro, onde havia se consagrado ao divino salvador 65 anos atrás


Quinze anos antes eu o vira cantar em solene pontifical na Abadia do Rio de Janeiro, em meio ao fervor de um grupo de uns cem beneditinos, de braços abertos em frente ao altar, aquela forma de sua profissão monástica que havia pronunciado em sua juventude. Foi a renovação dos votos no seu áureo jubileu monástico.  Agora iria repetir no céu quando a liturgia celebrava a comemoração de santa Cecília, a padroeira dos cantores, a última vez e definitivamente; “ suscipe me Domine, secundum eloquium tuum et vivam; et non confundas me ab expectatione mea’  - Recebe-me, senhor segundo a tua palavra e viverei; não me confundas na minha esperança.



Eu bem poderia encerrar aqui a tarefa que me impus com muito prazer, na aproximação do 10º aniversário de morte do querido monge- Sacerdote. Entretanto manda-me a consciência revelar algo mais que poderá animar outras famílias a desejarem a graça de consagrar a Deus alguns dos filhos, como o mais precioso Dom.



Em nossa família foi nos transmitido uma versão, que não posso assegurar que fosse inteiramente verídica, mas que é bem interressante. Contavam que certa vez passava ma caravana de ciganos pela entrada do Logradouro e uma velhinha daquele grupo entrou em casa de meu avô LUNA. Este devia Ter uns 66 anos de idade, casado 3º vez com minha avó, uma jovem e santa mulher de uns trinta anos mais ou menos. Meu avô não gostava de ciganos ralhou com a velhinha, mandou-a sair de sua casa. Mas a Magera antes de sair teria dito o seguinte: ‘” Ganjão, tua mulher está grávida de poucos dias , tu nem o sabes a criança vai ser um menino e vai ser padre”e em tom de tristeza: coitadinhos ! vocês nem vão ver isto ! “



Se é verdade ou lenda eu não posso garantir, mas sei que o humilde menino nascido naquele  recanto tão esquecido do Ceará, penúltimo filho de um ancião que ainda ficaria viúvo, pois minha avó Raimundinha, faleceu de um colapso cardiaco aos 40 anos, aquele menino repito, contra todas as possibilidades humanas, chegou realmente ao sacerdócio e foi um padre de Grande Valor. Tudo isto se deu pelo efeito da graça de DESU que se dignou de premiar aqueles santos pais, muitos anos depois de mortos para esta vida presente, com a grande riqueza de um filho consagrado ao ministério da Igreja na Veneranda e santa Ordem Beneditina.



Outra figura eu quero evocar neste momento. É a fgigura de minha mãe, a irmazinha mais nova de joaquim de Luna. Orfã de mãe aos sete anos e de pai aos 12 anos de idade, entregue aos cuidados da irmã mais velha muito pobre e carregada de filhos, Santana era o objeto de todos os desvelos do Irmão Salustiano. Enquanto este trabalhou em Barbalha, dividia com a família pobre as suas limitadas rendas, particularmente em atenção à minha mãe. Mas naquele dia em que ele sentiu o chamado do mestre e deixou tudo e, qual outro Abraão, partiu para o desconhecido, a mais prejudicada de todos foi a irmazinha que ainda era de menor. Ela entretanto aceitou o sacrifício. Tal como a virgem Maria ao pé da cruz commpartilhou com o gesto de oblação do seu irmão.



Aprendeu a trabalhar para ganhar o próprio sustento e só depois de cinco anos é que se casou com o esposo que o senhor lhe destinava. Meu pai também, humilde, pobre e doente, foi o candidato que o céu talhara para a jovem Santana.

Passaram-se os anos mais cheios de sofrimento que de alegrias para aquele casal. Certa vez entra na nossa casa outra cigana e naquela conversa insistente diz a meu pai em minha presença, vendo certamente a pobreza daquela casa, diz que meu pai iria descobrir um tesouro no fim da vida. Lembro-me bem que me pai ria em sinal de descrédito”no fim da vida este tesouro não vai me servir mais; eu quero um tesouro é agora “mas o certo é que mês pais rezavam com muita fé.Eu os vi muitas vezes, meu pai e minha mãe de joelhos a rezar. Eles nos ensinaram a crer no bom DEUS.



E O Milagre se deu. A oferta que minha mãe tão jovem fez a Deus do seu irmaozinho e iria repetir depois abraçando, em lágrimas, o filho mais novo que partia para o seminário, deus mesmo lhe devolveu com muita generosidade. Meus pais viveram mais de 20 anos em minha companhia, sendo os donos de minha casa parouial em Aurora, verdaeiros anjos da guarda do filho padre e tiveram a graça de morrer tranquilamente em nossos braços quando o senhor achou por bem de chama-los!



Minha mãe repetia sempre a quem lhe perguntava: “eu tenho um irmão e um filho  padres, graças a deus. Eles são o meu tesouro.

E Nos últimos anos de su vida ainda aceitou a minha transferência de Aurora para Missão Velha com muita alegria, emboranão pudesse mais me acompanhar. Sentia-se em dizer  que o filho padre era o vigári da paróqua de São José. Berço da Nossa Família.