FOTO: DOM JOAQUIM GRANGEIRO DE LUNA E FAMILIARES EM AURORA(CE)-1948 |
Palestra proferida Na Rädio Salamanca de Barbalha aos 28 de
Agosto 1979.
CIDADE: BARBALHA- CEARÁ
DATA: 28 /08 / 1979
PALESTRANTE: PE FRANCISCO LUNA TAVARES
De início, quero agradecer a direção da Rádio Salamanca de
Barbalbha, por esta oportunidade que está me proporcionando, de me comunicar
com o meu povo de Barbalha, Missão Velha e de todo o Cariri; levando a todos
uma mensagem de muito amor, nas palavras que tenho a dizer sobre o monge
beneditino D. Joaquim Grangeiro de Luna, meu saudoso tio materno cujo 10º
aniversário de morte vai ocorrer no próximo mês de novembro,( dia 22 ), ano, 1979..
Quero também saudar a esta boa cidade de Barbalha, pelo seu
dinamismo e sobretudo pela arraigada tradição de vida cristã. Aqui se pode
dizer que germinou e alimentou-se dessa seiva maravilhosa de piedade que
fecundava a vida cristã de nossas famílias, único ambiente onde pode sobreviver
uma vocação monástica como a de Salustiano Grangeiro de Luna no alvorecer deste
século XX.
Aos 22 de novembro de 1969, no Mosteiro de São Bento do Rio
de Janeiro, onde passara 67 anos de sua longa vida, faleceu placidamente no
Senhor o monge Beneditino Cearense D. Joaquim Grangeiro de Luna.
Repousam seus restos mortais no claustro do mosteiro, ao
lado da igreja oficial, em túmulo construido em pedra há mais de 200 anos por
monges portugueses, ao lado de centenas de outros que ali viveram, cujos nomes
estão gravados naquelas lages sagradas por sobre as quais pisam diariamnte os
seus irmãos de hábito.Aquele homem consagrado a Deus alimentou desde a infância
um desejo alto e firme: servir a Deus como bom cristão e ser útil também aos
seus irmãos em Cristo.
Nascido no Sítio Logradouro de Missão Velha aos 8 de Junho
de 1881, filho de Manoel Felipe de Luna Alencar e Raimunda Clara do Amor Divino
Grangeiro, o menino recebeu no batismo o nome de Salustiano. Órfão de mãe aos
10 anos e de pai aos 15 quase não teve direito a uma infância despreocupada e
feliz. O coevos afimavam que desde bem pequeno aquele jovem se revelou
responsável, sério e trabalhador.
Aos 16 anos entendeu de partir para Manaus onde morava um
tio materno que lha daria a mão, mas uma outra tia materna que morava em
Barbalha, o desaconselhou, conseguindo para ele um emprego de Caixeiro na Casa
Sampaio, que àquele tempo era o maior empório comercial do Cariri. Com aquele
senso de responsabilidade e de amor ao trabalho, em breve, aquele jovem
conquistou a confiança dos patrões e galgou um lugar de destaque entre os
outros empregados até mais antigos no serviço. Era admirável a sua prontidão em
atender a todo tipo de trabalho nessa casa. Aproveitou ainda aquele tempo para
estudar em escola Noturna Mantida pelo Gabinete de Leitura já então existente,
em aulas ministradas pelo professor Marrocos; associou-se na Conferência
Vicentina; fez parte ativa de todos os movimentos culturais dessa terra, como
jovem inteligente e promissor.
Quando se pensava num futuro casamento, brilhante para ele,
o jovem, após longa reflexão e profunda oração, recusou as propostas que lhe
eram apresentadas, renunciou ao emprego e a todas as demais vantagens, pedindo
admissão na multissecular Ordem Beneditina que nem sequer era conhecida nesta
bandas do Ceará.
Essa decisão de Salustiano causou espanto em todo Cariri. Na
verdade foi o primeiro jovem de toda esta região a sentir no seu coração o
chamda do mestre “se queres ser perfeito, vende tudo quanto possues dá o
dinheiro aos pobres e terás um tesouro dos céus. Depois, vem e
suegue-me “
Recebido na comunidade do Mosteiro de São Bento do Rio de
Janeiro com o novo nome de D. Joaquim de Luna, vai conviver com os padres
alemães recém chegados ao Brasil, em noviciado, estudo e provação de excessiva
dureza, como é fácil de imaginar. Porém como já era de idade mais madura e
tinha aqula prática de comércio e relações humanas adquirida em Barbalha, tudo
isto contribuiu para se impor logo de início, valendo muito aos próprios
alemães em suas comunicações com o povo do Rio de Janeiro, ainda eivado de
preconceitos contra os frades estrangeiros.
Ordenado sacerdote no dia 04 de janeiro de 1910, ferido de
guerra no fim desse mesmo ano (10 de dezembro, 1910) na chamada Revolta da
Chibata, quando tentava defender o patrimônio de seu querido mosteiro, logo
mais é feito prior da comunidade, cargo que desempenhou por largos anos com a
maior exatidão e firmeza, tornando-se o Dom Prior LUNA o verdadeiro traço de
união entre os monges estrangeiros que eram a maioria, e os poucos brasileiros
que iam aparecendo naquele venerando claustro. Foi ele por muitos anos e em
periodos bastante críticos para aquela comunidade, o homem chave Na solução de
todos os problemas internos da casa. Nada se fazia ali sem a sua aprovação
sábia e prudente.
Homem de Deus, bondade em pessoa, cearense que não
desconhecia a sua origem humilde, fiel aos mínimos detalhes da Regra Beneditina
tão austera, tendo aprendido desde criança o valor da oração e do trabalho,
consagrou toda a sua vida a essa prática numa ordem que tem por lema: “ora et
labora “ oração e trabalho. Em tudo D. Joaquim dava o exemplo antes de exigir
dos seus irmãos de religião. Sugeriram até que lhe dessem por epitáfio esta
sentença: “ só exigia dos outers aquilo que ele mesmo praticava” E como era
intransigente aquele padre magrinho e feio, sempre sorridente, com a mão
direita mutilada, quando estava em jogo a glória de Deus e o bom nome do seu
mosteiro e dos seus irmãos.
Tudo isto lhe valeu a doce alegria de ver em sua velhice o
mosteiro povoado de monges brasileiros jovens, piedosos e cultos, desenvolvendo
uma atuação nunca antes imaginada nos diversos setores de liturgia e canto
sacro, da ascética, da educação e tudo mais. Poucas comunidades religiosa no
Brasil têm desenvolvido uma atuação pastoral tão intensa quanto o mosteiro de
São Bento na cidade do Rio de Janeiro e em todo o Brasil, especialmente da
década de 1940 para cá. E O bom velhinho um dos reformadores do Mosteiro,
sentia-se perfeitamente realizado e muito feliz com a benéfica influêcia de
muitos daqueles sacerdotes que haviam passado pelas suas mãos e recebido o
influxo positivo do seu grande testemunho sacerdotal.
Apesar de suas constantes ocupações no Mosteiro, ainda
dispunha de tempo para se corresponder por cartas com os seus parentes e amigos
do Ceará e com quantas pessoas o procurassem pedindo-lhe ajuda ou orientação.
Inúmeros jovens daquele tempo encontraram em D. Joaquim a mão amiga que os
salvou no torvelhinho do antigo Rio de janeiro e quantos cearenses, chegando a
metrópole, se dirigissem a ele, dodos receberam um gesto caridoso de ajuda, nas
limitações de um monge enclausurado e pobre, mas cuja caridade não media
esforços,
.
Em sua Família do Ceará também influia a sua palavra amiga e
sua extrema bondade de coração. Mais de uma moça da família Grangeiro
responderam também ao convite do mestre e se consagraram a Deus na vida
religiosa dentre as quais Bandú, sua prima de Barbalha que lhe seguiu as
pegadas e viveu quase 60 anos, até à morte, na congregação das Missionárias
Beneditinas em Olinda com o nome de Madre Benta.
Encaminhou pessoalmente diversos jovens cearenses, sobretudo
da paróquia de Aurora, para a escola Claustral, dos quais três ou quatro
perseveraram em sua vocação. Mas nos últimos anos de seu priorado, temendo a
falta de perseverança de alguns ou por outro motivo justo, deixou de atender a
alguns pedidos que daqui partiram. Eu mesmo por esta razão não me fiz também
Monge Beneditino.
Entretaanto me deu
todo o apoio em meus estudos no seminário. Estimulando-me com cartas tão Sábias
e suas orações de meus velhos pais. Afinal, quando D. Joaquim comemorava os 40
anos de sacerdáocio, Eu estava também incluido entre os ministros do altar. E
Quando aquele monge velhinho morreu, ainda deixou nada menos de quatro
sacerdotes na Familia Luna e Grangeiro, além de várias irmãs em diversas
congregações religiosas.
Em geral nós nos impressionamos demais com a facilidade de
se propagar a maldade entre os homens
com os seus escândalos e passamos meios despercebidos com a difusão do bem e da verdade por aqueles que vivem
plenamente em Deus. D. Joaquim de Luna foi um desses homens carismáticos que
mesmo a distância, lá da clausura do Mosteiro do Rio de Janeiro, sabia irradiar
bondade e santidade até as pessoas que não o conheciam de perto. É que se
exalava de sua pessoa, de sua conduta, aquele bom odor de Cristo de que nos
fala o apóstolo Paulo.
Suas cartas à família, jóia de literatura, numa letra também
cuidada e feita à mão, em que lhe faltavam dois dedos, suas cartas eram um
pregação continuada de doutrina, de principios morais e do amor de DEUS. É bem
certo que a boca fala daquilo de que está cheio o coração.
E não contente com o apostolado epistolar, tão rico e
variado remetia para os sobrinhos e pessoas de sua amizade livros instrutivos e
outras publcações, estimulando-nos à prática da leitura para o nosso
enrequecimento cultural. Enão só isto. Em meio aos seus intensos trabalhos de
cada dia como prior do mosteiro, como capelão do colégio das marcelinas no Rio
de Janeiro, como confessor ordinário e extraordinário de várias comunidades
religosas que lhe tomavam um tempo e um zelo considerável, ainda gastava horas
e horas em pesquisas históricas, prestando assim valioso serviço à história de
sua Ordem Beneditina no Brasil. Estudiso do vernáculo não por
diletantismo, mas por ser poderoso meio de comunicação, escreveu páginas de rara
beleza nos seus diversos livros publicados ou inéditos.
Infelizmente muitos escritos dele que poderiam contar
preciosas informações sobre a vida monástica de seu tempo, ele mesmo os rasgou
nos últimos anos quando um processo de arteriesclerose lhe foi aos poucos
eliminando as faculdades mentais. Mesmo esquecido, Como ma criança, nunca se
acamou e obedecia por hábito ao regulamento do Mosteiro. Ao toque da sineta,
era sempre o primeiro a chegar aos atos da comunidade.
Morreu como viveu. Talvez ao toque da sineta para o ofício
das matinas, às 4 horas da amnhã, levantou-se como de costume e foi encontrado
morto à soleira de sua cela de monge, no velho e querido Mosteiro do Rio de
Janeiro, onde havia se consagrado ao divino salvador 65 anos atrás
Quinze anos antes eu o vira cantar em solene pontifical na
Abadia do Rio de Janeiro, em meio ao fervor de um grupo de uns cem beneditinos,
de braços abertos em frente ao altar, aquela forma de sua profissão monástica
que havia pronunciado em sua juventude. Foi a renovação dos votos no seu áureo
jubileu monástico. Agora iria repetir no
céu quando a liturgia celebrava a comemoração de santa Cecília, a padroeira dos
cantores, a última vez e definitivamente; “ suscipe me Domine, secundum
eloquium tuum et vivam; et non confundas me ab expectatione mea’ - Recebe-me, senhor segundo a tua palavra e
viverei; não me confundas na minha esperança.
Eu bem poderia encerrar aqui a tarefa que me impus com muito
prazer, na aproximação do 10º aniversário de morte do querido monge- Sacerdote.
Entretanto manda-me a consciência revelar algo mais que poderá animar outras
famílias a desejarem a graça de consagrar a Deus alguns dos filhos, como o mais
precioso Dom.
Em nossa família foi nos transmitido uma versão, que não
posso assegurar que fosse inteiramente verídica, mas que é bem interressante.
Contavam que certa vez passava ma caravana de ciganos pela entrada do
Logradouro e uma velhinha daquele grupo entrou em casa de meu avô LUNA. Este
devia Ter uns 66 anos de idade, casado 3º vez com minha avó, uma jovem e santa
mulher de uns trinta anos mais ou menos. Meu avô não gostava de ciganos ralhou
com a velhinha, mandou-a sair de sua casa. Mas a Magera antes de sair teria
dito o seguinte: ‘” Ganjão, tua mulher está grávida de poucos dias , tu nem o
sabes a criança vai ser um menino e vai ser padre”e em tom de tristeza:
coitadinhos ! vocês nem vão ver isto ! “
Se é verdade ou lenda eu não posso garantir, mas sei que o
humilde menino nascido naquele recanto
tão esquecido do Ceará, penúltimo filho de um ancião que ainda ficaria viúvo,
pois minha avó Raimundinha, faleceu de um colapso cardiaco aos 40 anos, aquele
menino repito, contra todas as possibilidades humanas, chegou realmente ao
sacerdócio e foi um padre de Grande Valor. Tudo isto se deu pelo efeito da
graça de DESU que se dignou de premiar aqueles santos pais, muitos anos depois
de mortos para esta vida presente, com a grande riqueza de um filho consagrado
ao ministério da Igreja na Veneranda e santa Ordem Beneditina.
Outra figura eu quero evocar neste momento. É a fgigura de
minha mãe, a irmazinha mais nova de joaquim de Luna. Orfã de mãe aos sete anos
e de pai aos 12 anos de idade, entregue aos cuidados da irmã mais velha muito
pobre e carregada de filhos, Santana era o objeto de todos os desvelos do Irmão
Salustiano. Enquanto este trabalhou em Barbalha, dividia com a família pobre as
suas limitadas rendas, particularmente em atenção à minha mãe. Mas naquele dia
em que ele sentiu o chamado do mestre e deixou tudo e, qual outro Abraão,
partiu para o desconhecido, a mais prejudicada de todos foi a irmazinha que
ainda era de menor. Ela entretanto aceitou o sacrifício. Tal como a virgem
Maria ao pé da cruz commpartilhou com o gesto de oblação do seu irmão.
Aprendeu a trabalhar para ganhar o próprio sustento e só
depois de cinco anos é que se casou com o esposo que o senhor lhe destinava.
Meu pai também, humilde, pobre e doente, foi o candidato que o céu talhara para
a jovem Santana.
Passaram-se os anos mais cheios de sofrimento que de alegrias
para aquele casal. Certa vez entra na nossa casa outra cigana e naquela
conversa insistente diz a meu pai em minha presença, vendo certamente a pobreza
daquela casa, diz que meu pai iria descobrir um tesouro no fim da vida.
Lembro-me bem que me pai ria em sinal de descrédito”no fim da vida este tesouro
não vai me servir mais; eu quero um tesouro é agora “mas o certo é que mês pais
rezavam com muita fé.Eu os vi muitas vezes, meu pai e minha mãe de joelhos a
rezar. Eles nos ensinaram a crer no bom DEUS.
E O Milagre se deu. A oferta que minha mãe tão jovem fez a
Deus do seu irmaozinho e iria repetir depois abraçando, em lágrimas, o filho
mais novo que partia para o seminário, deus mesmo lhe devolveu com muita
generosidade. Meus pais viveram mais de 20 anos em minha companhia, sendo os
donos de minha casa parouial em Aurora, verdaeiros anjos da guarda do filho
padre e tiveram a graça de morrer tranquilamente em nossos braços quando o
senhor achou por bem de chama-los!
Minha mãe repetia sempre a quem lhe perguntava: “eu tenho um
irmão e um filho padres, graças a deus. Eles são o meu
tesouro.
E Nos últimos anos de su vida ainda aceitou a minha
transferência de Aurora para Missão Velha com muita alegria, emboranão pudesse
mais me acompanhar. Sentia-se em dizer
que o filho padre era o vigári da paróqua de São José. Berço da Nossa
Família.