Aurora, a filha de seu filho
Por Luiz Domingos de Luna em 10/6/2008
Todo solo sem história é palco aberto para invencionice. É horizonte com limites. É acompanhar o movimento de rotação na incerteza do tempo espaço. É deixar a geografia, a cultura, a permanência do homem na impermanência do ser. É desintegrar a matéria no buraco negro da existência. É reconhecer o caos na ordem existencial dos fatos. É anular o eixo de equilíbrio da vida no vazio da imensidão do infinito.
Às margens do rio Salgado, no sertão do Cariri, na cidade de Aurora, enquanto a passagem da vida era tungada inexoravelmente pelo estrago do poder temporal, ali, bem ali, vigilante, em obediência a cada segundo que passava, a cada molécula de oxigênio respirado, ao som da música do Salgado, à beira deste maestro natural, estava ele, pacientemente, determinado, altivo, sendo o pioneiro, o desbravador, o descortinador, percorrendo em cada malha de uma história, confusa, obscura, não clara, passado de um momento entre o coronelismo, religião, cangaceirismo, passado que amedronta, "monstro da escuridão e rutilância", sempre ele, seja no remanso, seja na violência das águas, sempre com uma tocha acesa para escrever uma história perdida, esquecida, praticamente sem pesquisas, material escasso, tudo muito rudimentar, escuro, um quintal com muro, um grito puro, sozinho na penitência dos monges, na determinação dos grandes sábios, estava ele, sempre ele, imergido na sua simplicidade, na coragem, na bravura, na luta de construir a história de uma cidade, os fragmentos perdidos em arquivo perdidos, numa oralidade perdida.
Voz histórica
Tudo perdido, mas ele não, ele é a fonte, ele é forte, é uma fortaleza espiritual talhada na pedra, não qualquer pedra mas, sim, a pedra de aço, que mesmo detonada em milhões de pedaços leva o DNA da história, da cultura, de um povo, leva a marca do registro de nascimento da minha querida cidade Aurora. Aurora que é sinônimo do intelectualismo brilhante da sua mente criadora, revolucionária, pioneira, a filha do seu filho, é assim que consigo definir o meu grande amigo escritor Amarilio Gonçalves Tavares.
Hoje, é praticamente impossível escrever sobre Aurora sem pesquisar este grande vulto da historiografia da cidade sol nascente. Amarilio nunca esteve sozinho, pois nós que recebemos esta missão árdua de escrever, sempre somos e seremos os seus discípulos, basta ver que no nascimento da revista Aurora, com a tenacidade do escritor, do continuador desta tarefa árdua, tem no abnegado editor e redator José Cícero da Silva a certeza de que sua semente caiu em solo fértil. Pois o nome de Amarilio está lá, sempre vai estar presente, vivo respirando, dando oxigênio, luz e impulso à força elástica do ser.
É a base. É a rocha. É o ponto inicial. É o referencial de uma história que pulsa viva e povoa a imaginação da terra do Menino Deus, como escrever Aurora sem referenciar o menestrel, a águia de Aurora, Amarilio Gonçalves Tavares; um ponto inicial onde brota vários pontos, linhas retas, quadrados, triângulos, losângulos, círculos, nasce o arquiteto pode fugir das mãos o homem, pode fugir das mãos a matéria, pode fugir tudo, mas com certeza nunca fugirá a história de uma cidade criada por este homem, este vulto que no carrossel do tempo soube costurar tecer, untar, betumar, dar sentido, dar lógica, dar prumo, dar materialidade, dar vez, dar voz histórica à minha querida cidade Aurora.
Dois nomes que se confundem
Ser discípulo de Amarilio Gonçalves Tavares, assim como sou, é pegar a sua guia e partir para o mundo, nas veredas, nos caminhos esgrimistas, em terra árida, nos grotões, atravessar o deserto na busca de um oásis que talvez nem exista. É esculpir na alma a marca de um registro eterno? Passageiro? Não sei, pois a vida é muito efêmera para compreender ou decifrar este mistério da (tenacidade pela tenacidade e da garra pela garra). Amarilio é a certeza da voz, ou do início, da bravura ao pioneirismo. Falar de Aurora, obra de sua criação intelectual e história descritiva, é saber que tudo tem um fundamento, um motor primeiro, um agente causador.
Por isso na nuvem do temporal da existência, da fumaça cósmica, ao cotidiano de todos nós, aurorenses, estará sempre presente, na intimidade do ser dois nomes que se confundem para sempre, a filha do seu filho, Amarilio Gonçalves Tavares, e Aurora, estado do Ceará.
Fonte:http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=489MEM001