segunda-feira, 12 de abril de 2010

UMA VIDA ESCRITA NA MADEIRA

Praça do Cristo Redentor, ponto dos ônibus que fazem a linha Crato – Juazeiro, debaixo dos pés de fícus benjamins. Os “velhos” se reúnem para jogar dominó. Walderêdo, Gonçalves muitas vezes, passa por lá. Antes, poderia também estar na livraria de seu Ramiro Maia, à Rua Senador Pompeu, que fechou, depois de quase setenta anos de atividades. O Mais certo é pegar um mototáxi e subir a ladeira íngreme da Caixa d água, onde ele mora à rua Zabulon, 100. Aos oitenta e quatro completos, este grande nome da gravura brasileira, de todos os tempos, que gosta de receber, é sempre atencioso e conversa muito, revolvendo histórias do arco–da–velha, merece, como poucos, ser chamado de mestre.

Walderêdo nasceu no dia 19 de abril de 1920, na rua da Boa Vista, que hoje se chama Nélson Alencar, na cidade do Crato. Dizem que o Milfont, de seu pai José Gonçalves, que a mãe Maria Emília Oliveira herdou, por força de lei, veio de um ancestral Louis Charles, fugitivo da revolução Francesa, de 1789, que teria se radicado no Brasil (...)

Walderêdo aconteceu, no início dos anos 60, quando a faculdade do Filosofia do Crato fez uma tiragem de pranchas de sua autoria. Em 1962, Sérvulo Esmeraldo e Lívio Xavier, emissários d Museu de Arte da Universidade do Ceará ( MAUC), fundado no ano anterior, foram ao cariri comprar tacos para o acervo da instituição e aproveitaram para encomendar álbuns, como a “ Via Sacra”, de Mestre Noza: “ A vida do Padre Cícero”, de Lino da Silva:; “As aventuras do Caboclo Vira – Mundo” de José Caboclo e o “ Apocalipse”, do Walderêdo(...)

O MAUC, além das matrizes do “Apocalipse” tem uma de cenas populares do Cariri (engenho de pau, aviamento, maneiro pau. O vaqueiro. Penitentes) e gravuras soltas. Capas de folhetos, cortadas, por ele. Tornaram-se referências, como “A morte dos doze pares de França, “Juvenal e do Dragão” e Antonio Silvino no júri-debate de seu advogado. O Dr. José Macário de Brito, do Crato, encomendou uma “via Sacra”, mas esconde as matrizes, não deixa tirar cópias, “ele diz que só vai abrir o cofre quando eu morrer”...)

A Idéia que fica é de alguém que poderia ter ido muito longe além, se tivéssemos tido, desde a criação da Secretaria da Cultura, em 1966, políticas que valorizassem a tradição como ponto de partida para o contemporâneo. Temos as pranchas do “Apocalipse”. Versão matuta de Jean Duvet ou de Gustave Doré, iluminuras sertanejas, clássicas, sem que ele tenha se deixado contaminar pela pressa das encomendas, vencendo os desafios com paciência, determinação e a marca do gênio. É isto tudo que faz de Walderêdo Gonçalves o grande nome da Xilogravura. Os outros, diante dele, são aprendizes.

Enviado por: Luiz Domingos de Luna

Texto: Gilmar de Carvalho
Publicado em: Artes da Tradição: mestres do povo/Gilmar de Carvalho; fotos de Francisco Souza-Fortaleza: Expressão Gráfica/Laboratório de Estudos da Oralidade UFC/ UECE, 2005. 269p; Il. ISBN.

Foto: MUAC - Museu de Arte da UFC
http://www.mauc.ufc.br/