domingo, 7 de dezembro de 2014

O POVO FEZ SUA SANTA -1.4. A EXPLOSÃO DA ESCRITA – DELLANO RIOS.

FOTO: DELLANO RIOS. AUTOR DO LIVRO O POVO FEZ SUA SANTA.
Com o livro Paixão e Sangue de Mártir é fixado uma tradição narrativa até então baseada na oralidade. Lembro-me que “a fixação na e através da escrita de uma tradição que foi oral necessariamente não põe a fim a ela nem a marginaliza definitivamente (PordeusJr., 2000:247).Ao contrário, é possível pensar em tradições que se imbricam. Ou ainda em um fio que se esgueira pelo bordado e transforma o padrão de cores e figuras que se desenham.

De um lado, está a escrita que se valeu da oralidade para que pudesse vir a ser. A Obra de Quezado não me tributária dos devotos narradores de Aurora no que diz respeito às estruturas elementares da língua, nem ao estilo ou, ainda, às regras da escrita jornalística. Ainda assim,  é a voz dos fiéis que constitui a matéria prima de sua narrativa.

A estrutura já estava lá, mas não poderia contar aquela história sem recorrer à tradição que residia na oralidade. Mais tarde, seria o oral a valer do escrito como outra fonte.

Com o aparecimento de uma hagiografia, o texto, no sentido estrito da palavra, ressoa nas narrativas sobre Mártir Francisca.

No entanto, o escrito não é apenas mais uma voz que possa integrar o repertório dos narradores. “ A escrita { atua} como memória fundadora, um ponto de partida inteiramente novo” ( PordeusJr.,2000:250).

No caso do culto de Aurora, ela cumpriu a função de catalisadora, desencadeando uma série de novos discursos, orais e escritos.

Á época do lançamento do livro de Rozanne Quezado, a imprensa cearense noticiou o evento. A história de Mártir Francisca passou a integrar o repertório de pautas que, com certa freqüência reaparecem nas páginas dos jornais impressos, televisivos, radiofônico e on- line. No campo audiovisual, em 2008, o fotógrafo Francisco Sousa realizou um documentário em curta metragem, ainda inédito em festivais e na TV, que registrava as práticas dos devotos no 50º aniversário de morte de Francisca.

Nos casos acima citados, os discursos sobre a mártir se manifestam como uma narração efêmera, que dificilmente se prestará a consultas posteriores. Diferente deles e, portanto, mais próximo da primeira hagiografia de Mártir Francisca, estão os textos disponibilizados no website da Prefeitura Municipal de Aurora (www.aurora.ce.gov.br). Até o final de 2010, pelo menos três textos dedicados à santa podiam ser lidos no endereço eletrônico. Um deles, intitulada A Capelinha da Moça reproduz a introdução do livro de Rozanne Quezado. A Apropriação é registrada na própria página, que traz o nome da autora e a fonte onde o material  foi copiado- o que releva que aquela hagiografia de Mártir Francisca não apenas desencadeou outras, mas que se estendeu e encontrou novos canais de transmissão.

O Segundo texto é Mártir Francisca: um auto – de – fé, oblação e graças, de José Cícero, “Pesquisador, Poeta e Escritor”, natural de Aurora. Nele, se confirma a tendência do escrito a historicizar o que é narrado.

O Livro de Rozanne Quezado serviu para registrar os episódios de um determinado momento da historia do culto de Mártir Francisca.

O Texto de Cícero parece exercer papel semelhante, concentrando-se, por sua vez, em acontecimentos mais recentes. Não há uma preocupação em apresentar a história de Mártir Francisca, narrada apenas nas linhas iniciais do segundo parágrafo do texto. O autor escreve sobre o culto sua configuração atual e as transformações por que passou nos últimos anos, como a entender que a história do martírio já  é suficientemente conhecida.

O Discurso oscila entre a intenção de objetividade, de um pensamento materialista de bases científicas, e a crença do devoto, cuja palavra exulta a mártir e divulga seu culto.

No primeiro parágrafo do texto, deixa isso claro:
Se alguém ainda tem dúvida acerca da antiga afirmação que diz que “a fé move montanhas”, diríamos que aqui na cidade de Aurora na região do Cariri no alto do Salgado esta assertiva há muito vem ganhando ares de verdade ao ponto de multidões inteiras jurarem ter alcançado inúmeras graças, curas e milagres ( Cícero, 2008)

O autor toma as graças como parte de um discurso dos fiéis para não se apropriar dele, credita a autoria deste, mesmo de maneira muito vaga. Mais adiante, ainda no mesmo parágrafo, quando fala de “um longo histórico de casos supostamente milagrosos” ( Cícero, 2008 – grifo meu), o autor reafirma este olhar distanciado.

O Que se segue é, então uma descrição do culto. Em meio a ela, revela de uma tímida transformação. O Autor diz num parágrafo breve:

Até mesmo para os céticos, o local {da capela de Mártir Francisca} tem o poder de transmitir uma sensação de paz e  refrigério interior. “É uma verdadeira calmaria para  nossa alma explica o professor Luiz Domingos, profundo devoto e colaborador de mártir Francisca. (Cícero,2008).

Como se vê, a afirmação do autor não é validada pela citação que a sucede. Aos céticos, credita experiências de ordem não material e em seguida, evoca um devoto da Mártir para dar seu testemunho.

O Ato falho cometido marca a transição para a tomada de uma nova posição em relação ao culto.

Em resumo, diremos desde já, que a figura de mártir Francisca assim como a importância contribuem para o engrandecimento, cristão e espiritual de todo o povo aurorense, quiçá da região. Por isto haveremos de no mínimo, respeitar a opção daqueles que possuem o verdadeiro  dom de enxergar nas coisas do espírito tudo aquilo que os materialistas não as vêem por uma existência inteira.

(...) O desrespeito sistemático a este singular auto –de –fé, bem como a individualidade dos que crêem no sagrado, também constituem uma forma de fanatismo das mais injustificáveis e deprimente. De tal sorte, digamos ainda: Viva mártir Francisca – a santa popular de Aurora. Por que Deus sempre se manterá do lado  Povo. (Cícero, 2008 – sic)

O Autor caminha para a adesão ao culto. Surgem novas possibilidades de compreensão das passagens anteriores do texto. Relido, percebe-se que, a despeito das passagens em que o autor procura se mostrar como um observador distanciado dos  fenômenos, a finalidade é mais uma vez a de promover o culto. Tal qual se pede das produções de caráter hagiográfico.

É possível ler Paixão e sangue de Mártir Francisca: um auto –de –fé, oblação e graças como partes de um  mesmo conjunto hagiográfico. Relacionados, os dois textos operam como  se fosse um  e, mesmo vistos agrupados respeitam as exigências feitas às hagiografias. Enquanto, o livro de Rozzane Quezado se concentra nas provações por que Francisca passou, o texto de José Cícero centra-se na glorificação da mártir pelo culto.

Os dois textos não devem ser tomados, no entanto, como obras desiguais, com pesos desiguais, em que destacadas as provações vivenciadas pelos protagonistas e a outra, as homenagens a sua memória.

Quando fala da vida de Francisca, José Cícero não vai muito além de repetir dados que já se encontravam no escrito de Quezado. O que há é uma pequena adição, ao precisar o local em que a jovem foi morta,” a localidade do sítio padre Mororó- Várzea de Conta” ( Cícero, 2008 – grifo meu)

Já no  que toca às práticas devocionais em Aurora, o autor é mais preciso, tenso a sensibilidade de fazer ressalvar quanto a variações de uma mesma prática:

(...) No  exato local onde a jovem foi martirizada  agora existe uma capela que recebera o apelido de “ capelinha da moça” ladeada por um solitário pé de Pereiro, uma resistente árvore nativa da caatinga sertaneja. Segundo dizem, o vegetal inclusive, servira de abrigo, fazendo sombra para Francisca nos seus  últimos suspiros. De modo que na crença do povo também passou a conter propriedades milagrosas.  O Chá tanto quanto  a efusão de suas folhas e cascas conseguem curar uma série de doenças. Outros recolhem suas folhas  simplesmente para mantê-las em casa junto aos santos como um amuleto de proteção contra  os maus espíritos e mau olhado. Ou ainda, como mero  souvenir de lembrança de Francisca. Na época do infausto acontecimento tal planta era apenas uma moita. Hoje, a vetusta árvore vem despertando a admiração e a curiosidade por parte dos devotos e fies de mártir Francisca que no decurso de meio século vem  sendo  considerado por muitos, como a autêntica “ santa popular” de Aurora. (Cícero, 2008)’’

José Cícero retoma acontecimentos que se deram imediatamente após a morte da jovem e os liga a crença e práticas de Aurora. É particularmente interessante ver, aqui, a expressão de uma sacralidade em torno da mártir, que pode ser experimentada pelos  homens por meio de um contado direto.

A árvore torna-se sagrada. O Pé de pereiro( Aspidosperma pyrifollium Mart) repete uma imagem, em geral, muito comum na simbologia da árvore: aquela que faz o ser vegetal uma ponte cujas  raízes tocam o inferno e irrompem na terra, para seus galhos e folhas alcançarem o céu ( Cirlot, 1984:99). Bachelard  também  reconhece essa imagem de árvore e, para  esplicita, recorre   a uma bela passagem que toma emprestado  do escritor D.H. Lawrence:

Com um ímpeto prodigioso, projeta para baixo  até o âmago da terra, lá onde os mortos afundam na escuridão, no úmido e denso subsolo, e de outro lado, volta-se para as alturas de ar... Tão vasto, tão poderoso e exultante em ambas as direções( Bachelard, 1990: 214).

A Verticalidade da  árvore, sugere Bachelard, é a verticalidade de uma homem ( 1990: 211).  Tal interpretação sugere pelo menos duas leituras no caso  do culto de  Mártir Francisca de Aurora: Ajuda a explicar  o apego dos devotos à árvore; e a identificação da própria santa com o vegetal.

Em relação a esta última hipótese, lembro-me das lendas da tradição católica portuguesa, segundo as  quais o corpo de uma pessoa assassinada pode se transformar em árvore ( Espírito Santo, 1990:43).
No caso de Francisca, é possível visualizar essa transformação, operada em nível simbólico.

Seguindo a tese desta identificação Mártir Francisca/ pé de pereiro , vê-se a sacralização  da árvore, que se transforma de uma “moita” em árvore miraculosa, reproduzir-se na transformação da própria  mártir, o autor conclui a passagem citando a crença de devotos que a tomam por “ autêntica “santa popular de Aurora”( Cícero 2008) Como se viu antes  até agora – e se verá mais adiante – não se deve desprezar as vezes em  que os narradores atribuem a Mártir Francisca o titulo de Santa.

Índice de que tensão entre o culto e a igreja, o tema será tratado mais adiante, quando  falar da dimensão oral das narrativas( capítulo 2) e do material de que são feitas as narrativas (capitulo 3). Será nesta última parte, também, que retomaremos as informações restantes do texto de José Cícero acerca da topologia do sagrado, dos objetos e das práticas devocionais do culto.

Há ainda, como antes afirmei, um terceiro texto no website da Prefeitura de Aurora. Trata-se do Hino a Mártir Francisca, de autoria do professor Luiz Domingos de Luna, penitente e Decurião da Ordem Santa Cruz, também escritor e pesquisador das manifestações culturais do município.


Oh! Mártir Viva!
Oh! Mártir Pura!
Oh! Mártir Gloriosa!


Tua vida, teu sacrifício, alimenta nossa fé.
És aurora da crença popular
O Teu martírio é a busca de nossa cruz
Tua inocência
Tua bondade
Tua pureza
Sempre a nos olhar
E a todos nós conduz
Cuida de nós ó pequenina
Ensina-nos a amar e perdoar


Mártir Francisca eu te clamo nas minhas orações
“Orai, rezai, cantai”
Confortai os nossos corações.


Daí paciência, paz e conforto nas tribulações!
Sou teu devoto Oh! Pequenina
Oh! Menina Pura de Luz!
Levai os teus devotos
Os braços de Jesus


Daí a nós o virgem Mártir
A tua candura
Para um grande abraço
Na mãe de Jesus!
(Luna, 2008)


Diferente dos discursos anteriores, esse troca a prosa pela poesia. Com tal passagem, despe-se de intenção ligadas a uma racionalidade de base científica.

Parti do território narrativo da prosa, de uma escrita marcada pelo oral. Agora, chego à poesia, com seus versos mais afeitos à memorização chego, portanto, ao território da voz. E é a ela que me volto a seguir.
Referência Bibliográfica

Rios, Dellano – O Povo Fez sua Santa./ Dellano Rios- Fortaleza: Secult, 2011. (Prêmio Guilherme Studart) l. Literatura brasileira – ensaio I. Titulo


Transcrição autorizada pelo autor Dellano Rios ao Professor Luiz Domingos de Luna, que a todos, o direito de repostagem em blogs, sites e outros veículos de comunicação para o Engrandecimento da Epistemologia Genética da Humanidade para o bem.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

INTRODUÇÃO DO LIVRO O POVO FEZ SUA SANTA – DELLANO RIOS.

FOTO: DELLANO RIOS. AUTOR DO LIVRO O POVO FEZ SUA SANTA.
INTRODUÇÃO DO LIVRO  O POVO FEZ SUA SANTA - DELLANO RIOS.



Ler nas entrelinhas e escutar o silêncio: duas construções verbais cujas ações que descrevem parecem não existir senão como figuras de linguagem. Elas ilustram com precisão o desafio que encontrei diante do fenômeno ao qual dedico as reflexões que se seguem. O Propósito é claro: compreender os movimentos de um processo de


santificação, a partir do estudo de narrativas daqueles que a sustentam. 


É preciso estar atento não  apenas ao que é enunciado, mas, também, às lacunas nos discursos. O Silêncio indica tensões existentes, quando estas se encontram em estado latente. 


Para seguir adiante, foi preciso ter em mente tais lacunas, mapear o terreno e apontar, aqui e ali, onde falta terra  sob os pés. 


Para ter certeza de onde parto, para que seja de terra firme, apropriada para tomar impulso que permite ir além,  começo o percurso fixando um marco, um ponto de referência que não sairá de meu campo  de visão. 


O Ponto de referência é uma história. 


A história de Mártir Francisca e de seu culto. O lócus e a cidade cearense de Aurora, localizada na microrregião do Cariri, 485 quilômetros ao sul de Fortaleza, capital do Estado. 


Ela começa em 9 de fevereiro de 1958, para daí retroceder e avançar no tempo conforme a competência e o interesse do narrador. 


Neste dia, a adolescente Francisca Augusto da Silva, 16 anos, foi morta pelo ex-noivo, Francisco Ferreira Barnabé (conhecido como Chico Belo). O rompimento acontecera há pouco mais de um ano. Francisca não voltou atrás, apesar da insistência de Chico Belo. 


Ciumento, ele temia vê-la casada com outro  homem. Decidiu que a mataria, para não correr esse risco. Montou tocaia na saída da missa e a surpreendeu, quando ela voltava da cidade para a sua casa, em um sítio afastado. 


Montava um cavalo branco e trazia uma longa faca peixeira nas mãos e atacou Francisca. Acertou-a uma dúzia de vezes e deixou  o corpo morto caído à sombra de uma árvore. 


O Assassino fugiu, para acabar preso duas horas depois. Julgado, foi condenado e enviado ao presídio  da capital. Nele, passou os próximos 19 anos. De volta a Aurora, anos depois foi morto numa briga, sem que se lembre pelas mãos de quem. 

Da tragédia que se abateu sobre a jovem, uma filha de agricultores não muito diferente de tantas outras da região, 


nasceu um culto. 


A cruz que marcava o lugar de sua morte na estrada deserta logo se converteu num centro de Adoração. Católicos iam até ali para seu encontro com a moça, já rebatizada


Mártir  Francisca. 


No começo dos anos 1960, uma pequena capela foi erigida em seu lugar. Ela passou a acolher os fiéis que faziam promessas e obtinham graças a partir da intervenção 


da mártir. 


Hoje, o culto conta com uma capela anexa (de Nossa Senhora dos Milagres), procissões mensais, imagens da santa em madeira e duas festas anuais.


O presente estudo procura compreender o processo de transformação pelo qual Francisca passou até se tornar a mártir cultuada por um número crescente de devotos. Além do interesse pelas particularidades do caso, chamo a atenção para a possibilidade de tomá-lo como exemplar de um fenômeno religioso, ligado às expressões do catolicismo tal qual ele é praticado pelas camadas subalternas no Brasil. 


O Fenômeno foi nomeado de diversa maneiras, na tentativa  de defini-lo. Recorro a Zumthor para nomeá-lo  Canonizações espontâneas ( 1193: 30). 


O resultado dos processos dessa Natureza é a construção e o estabelecimento de santos populares, que se localizam à margem do Cânone da igreja Católica Apostólica Romana. 


Em tais casos, pessoas vivas, mortas ou imaginárias, são tomadas por santas e, como tais, se tornam objetos de culto, são descritas por seus devotos como donos de  conduta exemplares e são por eles procurados como canais de comunicação com Deus. 

O Culto  de Mártir Francisca de Aurora foi escolhido dentre muitas outras conhecidas. Há registros de canonizações espontâneas em diversas cidades brasileiras e mesmo em países como França, México, Argentina e Bolívia. No  Ceará, são conhecidos casos  em Barroquinha, Bela Cruz, Guaraciaba do Norte, Meruoca, Tianguá, Varzea Alegre e Juazeiro do Norte( não é de outra ordem o fenômeno do Padre Cícero Romão Batista).


A Opção pela santa de Aurora tem, 


por razões iniciais, as afinidades que tenho com alguns de seus elementos. 


Como jornalista, interessei-me pelo trabalho de reportagem de uma colega de profissão, Rozanne Quezado, publicado no formato de livro sob o título Paixão e Sangue de Mártir Francisca. 


Somou-se a esse interesse, uma relação (acadêmica) anterior com temas ligados à religião; e a curiosidade pela narrativa. Também me seduziu a dificuldade da empreitada. Antes da pesquisa, meu conhecimento sobre Aurora era mínimo. Não conhecia sequer a região do cariri. Do fenômeno, sabia muito  pouco, vendo-me obrigado a investigá-lo para descobrir mesmo alguns dados elementares. 

Foi a experiência de campo, em todo caso, que acabou por determinar minha escolha. Aurora é uma das cidades que compõem o Cariri cearense e, portanto, fazem parte de uma malha de devoção muito específíca. Para a economia do Estado do Ceará, ela e menos expressiva que outros municípios, caso de Juazeiro  do Norte, Crato e Barbalha, que expandem sua fama graças às muitas manifestações das culturas tradicionais que abrigam. Por todo o Cariri, é bem conhecida a recorrência  de práticas devocionais católicas que fogem às normas estabelecidas  pela igreja, sem, necessariamente, confrontá-las. Ao invés do conflito aberto, há um movimento de apropriação de signos, de discursos e de ritos da igreja,  por parte dos praticantes dessa devoção católica peculiar. Os elementos tomados de empréstimo são reformulados e ressemantizados;não poucas vezes, assiste-se à sobrevivência de práticas e crenças que outrora pertenceram ao repertório da instituição católica e que hoje são por ela ignorados ou rejeitados. Para ilustrar a afirmação acima, cito o caso das ordens penitentes 

que se multiplicaram por todo o Nordeste no século XIX, muitas delas fundadas pelas missões

 

do Padre Ibiapina, 


entre 1860 a 1883. As ordens eram agrupamentos, em geral, formados exclusivamente por  homens, católicos das camadas subalternas da população sertaneja que entoavam benditos e se autofagelevam pela remissão dos pecados ( Rios, 2004:84). 

Consta em seguida uma citação de (Ribeiro, 2006: 70 -71) que se encontra em Recuo,  como também as notas em Rodapé não serão postadas visto o digitador não ter  o projeto de diagramação específica para tal fim.


O Fenômeno de que me ocupo se avizinha daquele que compreende as práticas de penitência no Nordeste. 

Fazer referência a tal prática contribui para que se estabeleçam condições apropriadas a uma melhor apreciação do leitor. 


O Tema em discussão precisa ser contextualizado, pois se trata da construção de uma santidade específica, que se localiza no terreno deste sagrado insubmisso, fenômeno marcado por  tensões. A Sociologia, assim como a filosofia e a psicologia, já descreveu a realidade como uma construção, em oposição à compreensão segundo a qual ela seria uma dimensão unívoca.

Em sequencia o Escritor  fala sobre a fundamentação teórica da escolha, dos registros, metodologias, divisão a letra e voz, oralidade, investigação...De forma que este trabalho não passaria sem as contribuições de teorias vindas de áreas vizinhas, como a antropologia a história e a semiologia.

Referência Bibliográfica

Rios, Dellano – O Povo Fez sua Santa./ Dellano Rios- Fortaleza: Secult, 2011. ( Prêmio Guilherme Studart) l. Literatura brasileira – ensaio I. Titulo

Transcrição autorizada pelo autor Dellano Rios ao Professor Luiz Domingos de Luna, que a todos, o direito de repostagem em blogs, sites e outros veículos de comunicação para o Engrandecimento da Epistemologia Genética da Humanidade para o bem.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

PREFÁCIO DO LIVRO – O POVO FEZ SUA SANTA- DELLANO RIOS.

FOTO: DELLANO  RIOS- AUTOR DO LIVRO: O POVO FEZ SUA SANTA.

Em 1958, o real irrompeu na cidade Aurora,cariri cearense. Uma moça de dezesseis anos foi morta, com incontáveis facadas, por um noivo facínora. Começa a história de Mártir Francisca que tem desdobramentos e inclui, com vigor, outra santa no panteão popular. O lugar onde ela tombou ganhou um cruzeiro, depois uma capela, e tornou-se um lugar de peregrinação.


A jornalista Rozanne Quezado redigiu um opúsculo dando conta do fato e da manifestação que se que se esboçava, no início deste milênio. Dellano Rios, então estudante de Comunicação Social ( habilitação em Jornalismo) da UFC, tomou o relato como ponto de partida para sua monografia de conclusão de curso. Era uma abordagem mais rica e generosa da Comunicação, que passava pela Semiótica da Cultura, um olhar que não é antropológico, e que dialoga com teóricos pouco divulgados e que não estão e nunca estiveram na moda, como o ucraniano Lotman, o Tcheco Bystrina, e que tem como grande divulgador no Brasil o professor da PUC de São Paulo, Norval Baitello Junior.


Dellano Rios optou por não fazer um trabalho de revisão bibliográfica, que era escassa, no que se refere ao fato. Intrépido, sem bolsa que custeasse sua viagem, passou uma semana em Aurora e viu os lugares sagrados, ouviu, ouviu pessoas que estavam vivas à época do crime e acompanhou a peleja em busca do espólio de Francisca.


Entrava em cena outro teórico, este da memória e da voz, o suíço que fez carreira acadêmica no Canadá e esteve no Brasil, o medievalista Paul Zumthor. Certo é que a monografia alcançou um padrão de qualidade, rigor e criatividade que levou Dellano Rios, em seguida, ao Programa de  Pós- Graduação em Sociologia da UFC, onde cumpriu seu Mestrado, com orientação iniciada pelo Prof. Dr. Ismael Pordeus Jr, e concluída por mim. Foi a oportunidade para dar um fôlego maior ao trabalho, sem perder de vista a importância do recorte, um ponto nevrálgico da metodologia da pesquisa acadêmica.


Muita gente quer colocar tudo o que encontra neste grande “ balaio” e desfoca o trabalho, que se esgarça e se enfraquece de seu vigor e da novidade que  traria. Dellano Rios não caiu nestas armadilhas. Seu trabalho continuou forte, consistente ( do  ponto de vista teórico) e sua escrita entra em um novo paradigma, onde o rigor que se cobra ganha nuances de outras contribuições e torna o texto prazeroso, no sentido empregado pelo estudioso Roland Barthes.


Mártir Francisca pode ser (foi e será) um álibi para se estudar a gênese de um mito, aqui compreendido como algo que se engendra no campo da fala que se amplifica, se irradia e vai construindo e dando ao relato, que sai das páginas do parecer jurídico e das evocações da cobertura policial, para ganhar o estatuto de uma fala carregada de significação. Dellano Rios teceu muito bem essa trama, essa superposição de falas, com  a propriedade de quem é jornalista, mas sem a leviandade do qual são acusados estes profissionais da Mídia, que escrevem sobre qualquer coisa.  Ele escolheu bem  sobre  o que queria escrever. Usou o crime, o sangue, a capela, as velas e as procissões como reforços de uma “canonização espontânea”, ainda no dizer de Zumthor.


O Povo elege e constrói seus santos. Trata-se de um trabalho delicado de artesanato, que exige a sofreguidão da fé e a delicadeza “ zen” por meio da qual um artífice escava a madeira, modela o barro, tece a folha no trançado, recorta o couro ou trabalha as palavras no folheto de cordel ou no ponteio da viola da cantoria.


Outros santos foram “ canonizados” pelo povo. No caso cearense, Mártir Isabel, em Guaraciaba do Norte, Francisca Carla, em Tianguá; o soldado Hortênsio, em Viçosa do Ceará; para não deixar de falar no mais impactante e vigoroso de todos, O Padre Cicero Romão Batista, nascido no Crato e “fundador” do Juazeiro do Norte, do  qual está em curso  um processo de reabilitação que  poderá levá-lo, não se sabe em quanto tempo, aos dos templos católicos. Há muito, Cíocero, o “padim”, falecido em 1934, mas envolvido em fatos extraordinários desde que a hóstia se transformou em sangue, quando da comunhão da Beata Maria de Araújo,  na Semana Santa de 1889, é uma referência nas romarias e no catolicismo sertanejo.


Dellano Rios não cai no pastiche e rejeita o paródico. Ele atualiza o mito e fala da importância destas referências para o imaginário social. Sua dissertação, que agora se transforma em  livro, traz as marcas da seriedade de uma geração  de pesquisadores, saídos dos bancos da Universidade, sem os cacoetes das infindáveis notas de rodapé e sem as muletas teóricas que tornam tantos trabalhos de uma previsibilidade que angustia e castra os resultados. O Que se lê aqui é trabalho acadêmico que aponta para a explicação do mito da Mártir Francisca e nos ajuda  a compreender um pouco mais dos meandros, dos sonhos, anseios, medos e expectativas dos fiéis da santa de Aurora. É um trabalho que se lê de uma vez só, de tão agradável e de tão bem urdido. Ressalte-se aqui a afinidade que Dellano Rios mantém com a literatura. Ele imbrica códigos, segue seu rumo, se ampara nos autores legitimados e faz um texto que  explode de vigor, criatividade, e sinceridade. Fica a expectativa de uma contribuição ainda maior deste jovem pesquisador que tem ainda tanto chão para palmilhar.


Gilmar de Carvalho

Jornalista, Escritor e Pesquisador.


Referência BibliográficaR 586p Rios, Dellano – O Povo Fez sua Santa./ Dellano Rios- Fortaleza: Secult, 2011. ( Prêmio Guilherme Studart) l. Literatura brasileira – ensaio I. Titulo CDD: 870.3


Transcrição autorizada pelo autor Dellano Rios ao Professor Luiz Domingos de Luna, a que a todos, o direito de repostagem em blogs, sites e outros veículos de comunicação para o Engrandecimento da Epistemologia Genética da Humanidade para o bem.